Enfermeira faz cirurgia de 11 horas para retirar útero e doar a desconhecida que queria ser mãe

Depois de três gestações bem-sucedidas e três crianças saudáveis, a enfermeira americana Heather Bankos não queria mais ter filhos. Mas Bankos, de 31 anos, tinha vontade de ajudar outras mulheres a passar pela experiência da gravidez e da maternidade.

Inicialmente, ela pensou em se oferecer como barriga de aluguel, mas acabou decidindo ajudar de outra forma: doou seu útero para que uma desconhecida possa engravidar.

“Não importava para mim conhecer a pessoa ou não. Eu só queria ajudar alguém, não importa quem seja”, diz Bankos à BBC News Brasil.

Ela participou como doadora de uma pesquisa clínica realizada desde 2016 pelo Baylor University Medical Center, centro médico em Dallas, no Texas. Até agora, o programa já realizou 18 transplantes de útero. Duas das pacientes que receberam o órgão já deram à luz, e outras seis estão grávidas.

Bankos pagou do próprio bolso as passagens de avião de sua casa, no Estado da Pensilvânia, até Dallas, tanto para realizar os exames preliminares, no ano passado, quanto para a operação, neste semestre.

Depois de uma cirurgia de mais de 11 horas, ela conta que a recuperação inicial foi difícil. “Tive muita dor”, afirma. Mas garante que em nenhum momento questionou sua decisão.

Agora, já se considera completamente recuperada. “Me sinto ótima.”

UTI neonatal

Bankos diz que sua experiência profissional teve influência na decisão. Ela conta que, em nove anos como enfermeira em uma UTI neonatal, se acostumou a presenciar não apenas a alegria de ver os bebês irem para casa ao lado dos pais, mas também a tristeza quando os recém-nascidos não sobrevivem e quando alguma complicação significa que a mulher não poderá engravidar novamente.

Heather no hospital

(Heather participou como doadora de uma pesquisa clínica realizada pelo Baylor University Medical Center, no Texas)

Ela lembra também que a experiência em suas três gestações sempre foi positiva.

“Sempre me senti incrível quando estava grávida. Mesmo com as dores e enjoos. Me sentia realmente confortável com meu corpo”, relata.

“Foi tão fácil para mim engravidar e levar a gravidez adiante. É devastador saber que há mulheres que não podem fazer isso.”

A ideia inicial de ser barriga de aluguel foi abandonada quando Bankos começou a trabalhar em um segundo emprego, também como enfermeira, mas desta vez responsável por transportar pacientes em helicópteros e aviões, o que poderia colocar em risco o bebê.

Bankos ficou então sabendo sobre o programa no Baylor University Medical Center no final de 2017, ao ler uma reportagem sobre a primeira vez nos Estados Unidos que uma mulher nascida sem o útero havia dado à luz após receber um transplante.

Ela contou ao marido, Brendon, e aos filhos, Nathan, 8 anos, Matthew, 6, e Ellie, 3, que pensava em doar o útero.

“Ele (Brendon) teve a mesma reação que quase todas as outras pessoas: perguntou ‘Você está falando sério?'”, lembra.

“Mas sempre me apoiou.”

Altruísmo

Bankos entrou em contato com o hospital em abril do ano passado, e em outubro foi submetida a uma bateria de exames, inclusive avaliação psicológica, para confirmar se poderia ser doadora. Em fevereiro recebeu a confirmação de que era compatível com uma paciente.

“Essas doadoras são minhas heroínas”, diz à BBC News Brasil o cirurgião Colin Koon, responsável pela operação de Bankos.

“É inacreditável que alguém decida atravessar o país, como Heather fez, pagando do próprio bolso, para se submeter a uma enorme cirurgia que vai ajudar alguém que ela nem conhece. Isso renova minha fé na nossa espécie.”

O cirurgião Colin Koon (ao centro)

(O primeiro país a fazer transplantes de útero bem-sucedidos com doadoras vivas foi a Suécia)

Koon ressalta que muitas das doadoras no programa, assim como Bankos, são enfermeiras. “Acho que enfermeiras em geral tendem a ser pessoas muito altruístas.”

A operação de Bankos foi a segunda nos Estados Unidos em que o útero da doadora foi retirado 100% por meio de cirurgia robótica, que envolve menos dor e tempo de internação hospitalar e menor risco de infecção e perda de sangue. Foram retirados o útero, o colo do útero e as trompas de Falópio, mas não os ovários.

O transplante foi feito imediatamente, e a paciente que recebeu o órgão se recuperou bem.

O primeiro país a fazer transplantes de útero bem-sucedidos com doadoras vivas foi a Suécia. O Baylor University Medical Center já usou tanto doadoras mortas quanto vivas.

“Nos Estados Unidos, somos os únicos a fazer com doadoras vivas”, diz Koon, que é co-presidente de Serviços Cirúrgicos Robóticos do hospital.

Heather e a família

(Heather ao lado do marido, Brendon, e dos filhos, Nathan, de 8 anos, Matthew, de 6 anos, e Ellie, de 3 anos)

Muitas das paciente que participam do programa sofrem da Síndrome de Mayer‐Rokitansky‐Kuster‐Hauser (MRKH), caracterizada pela falta total ou parcial de útero. Segundo Koon, o procedimento também pode ajudar mulheres que perderam o útero em razão de outros problemas, como câncer.

Gravidez

Koon afirma que um transplante de útero é considerado bem-sucedido quando a paciente que recebeu o órgão dá à luz uma criança saudável. Antes disso, há um longo processo, que começa bem antes do transplante, com medicação para preparar a paciente para coleta de óvulos, que são então fertilizados. Os embriões são congelados.

Depois que a paciente recebe o útero e o colo uterino da doadora, tem de tomar medicamentos imunossupressores para evitar que o órgão transplantado seja rejeitado pelo organismo. Depois de algum tempo, os embriões são implantados no útero e, se o procedimento for bem-sucedido, a paciente fica grávida.

Heather e o cirurgião Colin Koon

(‘Essas doadoras são minhas heroínas’, diz o cirurgião Colin Koon)

“Você está dando a essas pessoas algo que elas sempre ouviram que não poderiam ter. Essas mulheres estão fazendo esforços inacreditáveis para ter esses bebês”, ressalta Koon.

“É maravilhoso ver a expressão em seus rostos quando finalmente podem ver e tocar seu bebê, depois de ouvirem a vida inteira que não poderiam ter filhos. Palavras não conseguem expressar esse sentimento.”

Heather no hospital após a cirurgia

(A operação de Bankos foi a segunda nos Estados Unidos em que o útero da doadora foi retirado 100% por meio de cirurgia robótica)

Na pesquisa clínica, pacientes e doadoras não pagam pelos procedimentos. Mas para a maioria das mulheres, o transplante de útero ainda é inatingível, com custo estimado entre US$ 200 mil e US$ 500 mil (cerca de R$ 776 mil a R$ 1,9 milhão) e sem cobertura por plano de saúde.

O programa no University Medical Center não permite que a paciente que recebeu o transplante seja identificada, nem que se encontre com a doadora antes de dar à luz. Mas Bankos e a mulher que recebeu seu útero já trocaram cartas. “Posso dizer pelas cartas o quão empolgada e grata ela estava. Espero que ela acabe tendo uma gravidez saudável, um parto fácil e um bebezinho no final.”

Bankos diz estar muito satisfeita com sua decisão. “Se eu tivesse outro útero, doaria de novo.”

 

 

 

 

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-48553613